A Estranha “Moda” dos Pais (Mães) Juízes de Ginástica

 

 

A Estranha “Moda” dos Pais (Mães) Juízes de Ginástica

 

Atualmente está na moda, pelo menos no norte do País, as mães de atletas de Ginástica Artística Feminina formarem-se juízes dessa disciplina gímnica com o legítimo desejo de fazer parte dos Júris das competições, onde também participam as suas filhas.

Porque não concordo com tal promiscuidade, pais a avaliarem as prestações dos próprios filhos, resolvi escrever com o intuito de justificar as razões deste descontentamento.

Quem desempenha o papel de Pai e/ou Mãe?

Quando as nossas crianças e jovens competem, deveriam ter na bancada, como adeptos “número 1” os seus pais, irmãos, avós, amigos, etc. a aplaudir, a abraçar, a gritar, etc. Sim, o aplauso e todas as manifestações de apoio dos Pais podem ser tão ou mais importantes que uma medalha no final da competição (nos escalões mais baixos elas nem existem). Isto depende da idade, é certo, mas estamos a falar de crianças e jovens…Como se sentirá a Mãe a pontuar a sua filha e vê-la terminar o seu exercício cheia de sucesso, sem poder saltar, aplaudir, vibrar (não deve!) com a felicidade da sua filha? Ou então, o que sentirá quando a vir chorar por uma queda ou falha sem acompanhar a sua tristeza (não deve!)?

Antes de uma prova, a Mãe deveria preocupar-se com o fato, a alimentação ou o penteado da sua princesa, não com o seu fato de juiz ou com o Código de Pontuação. É tão-somente a minha opinião.

A objetividade da pontuação!

Em muitas profissões de importante e relevante função social não é permitido a um parente direto intervir em processos sobre um seu familiar direto. Um médico não pode operar a sua esposa ou filha, um advogado não pode defender o seu filho e um professor não pode ou não deve avaliar os seus próprios filhos. Esta regra não pretende apenas evitar eventuais favorecimentos de uns aos outros, vai muito mais além disso. O problema é o distúrbio que a emoção pode exercer na tomada de decisões, na observação ou na estabilidade dos movimentos quando operamos, avaliamos ou decidimos sobre o comportamento de um ente querido. Está posta em causa a objetividade do julgamento e a precisão dos movimentos (no caso do cirurgião).

No caso da Ginástica, ao observarmos um exercício de competição de um qualquer ginasta, é diferente o que vê um juiz, um treinador, um pai ou um simples espectador. Todos o fazem com objetivos diferentes, conhecimento diferente das regras e da técnica, emoção diferente em função dos interesses e proximidade ao ginasta, etc.

Os juízes observam com o objetivo de avaliar o quê e com que correção o ginasta executa os seus exercícios, observam e cumprem as regras, tendo em conta a experiência e o conhecimento sobre as técnicas de cada gesto técnica que os ginastas executam. Os treinadores observam e confirmam a execução dos seus atletas, com a ansiedade própria de quem não quer ver falhas ou quedas, com a emoção e a paixão de todo o trabalho efetuado anteriormente para chegar à competição. Os espectadores vêm os atletas em prestações gímnicas, umas mais bonitas, outras mais corretas, mais ou menos espetaculares, vêm atletas bem-sucedidos, atletas desiludidos, outros assim, assim, enfim, apreciam o espetáculo. Os Pais, esses assistem os seus filhos com as melhores e mais genuínas intenções, mas umbilicalmente carregadas da emoção e paixão natural da paternidade, como os principais protetores mas também críticos, não devendo resistir ao instinto do salto ou sobressalto face ao sucesso ou insucesso do seu querido filho, às lágrimas de felicidade ou tristeza, ou seja, são os observadores mais vulneráveis.

Não resisto a partilhar com os leitores deste artigo a observação de um vídeo, para o qual deixo o link (https://www.youtube.com/watch?v=qG0N7fIIfaM), que ilustra muito bem a diversidade das formas de como pode ser observado um exercício de Ginástica. Trata-se de um vídeo do exercício de Barra Fixa do ginasta americano Daniell Leyva no Campeonato do Mundo de 2009, cuja curiosidade se centra no facto de que quem é filmado é o seu Treinador e Pai, e não a sua prestação. No mesmo ângulo podem observar-se alguns juízes que estão precisamente a pontuar o exercício em causa mas com uma atitude completamente diferente. Observem e digam-me: como pode ser igual a observação daquele Pai/Treinador à daqueles Juízes concentrados ou do público na bancada? Nem sequer a avaliação dos Juízes pode ser igual, em função da sua experiência, conhecimento, interpretação, ângulo de visão e, quiçá, até da sua preferência patriótica.

Este argumento da perda de objetividade é, consequentemente e naturalmente, válido para os treinadores, dirigentes, sócios e amigos que exercem a função de avaliar ginastas com interesses afins. No entanto, e porque neste artigo falo dos Pais e das Mães, é notoriamente pertinente considera-los menos aptos para a função simultânea de Pais e Juízes.

Impedimentos Regulamentares

A eventual incompatibilidade entre a função de juiz por parte dos pais já foi objeto de discussão em Assembleia Geral da FGP, aquando da aprovação do Regulamento para a convocação de Juízes, tendo sido excluída essa incompatibilidade, apesar da discordância de alguns delegados. Além da categoria dos Pais, numa proposta inicial de incompatibilidades, faziam parte os ginastas e dirigentes de clubes com atletas em prova, tendo ficado apenas a restrição a estes últimos. Aliás, confesso que não compreendo a permanência destes agentes desportivos nas incompatibilidades com as funções de ajuizamento, quando o argumento é igualmente válido para todos (pais, treinadores, atletas e dirigentes), mas uns podem, os outros não.

Termino resumindo num parágrafo a mensagem que procurei transmitir ao longo deste texto, ou seja, os Pais são extremamente importantes na vida desportiva dos seus filhos, inclusive e especialmente nos dias de competição. São importantes acompanhando-os e conferindo-lhes todo o suporte de que necessitam e de quase nada lhes podem servir sentados numa mesa de juiz a observar todos os outros. No entanto, se possuem uma vontade tão grande que não o consigam evitar, é bom que estejam conscientes da difícil tarefa que será avaliar a prestação dos próprios filhos (poderão sempre optar por não pontuar nas competições em que os filhos participem!). Se for esse o caminho, então espero que estudem bastante e sejam bons juízes, mas que o façam com seriedade e por determinação própria, não por movimentos e estratégias de outros, que por muito bem disfarçadas que estejam, fazem mais mal do que bem à Ginástica.

José Ferreirinha


 

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